O Chamado das Estradas Catarinenses
O Vale Europeu, localizado no coração de Santa Catarina, é um convite irrecusável para os amantes do cicloturismo. Com suas estradas sinuosas, cidades charmosas de colonização alemã e italiana, e paisagens que variam entre vales verdejantes e cascatas cristalinas, a região se tornou um dos destinos mais cobiçados do Brasil para quem busca aventura sobre duas rodas. Em fevereiro de 2022, um ciclista paulista de 61 anos, com uma média de 400 km mensais nas pernas, embarcou em uma jornada solitária de 310 km pelo circuito, enfrentando 17 mil metros de elevação acumulada em 5 dias. Este artigo reconstitui sua experiência, revelando desafios, descobertas e lições que transformaram essa viagem em uma história inspiradora para qualquer entusiasta da bike.

Sumário do Artigo

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Cicloturismo Vale Europeu: Preparação e Expectativas
Antes mesmo de partir, o ciclista enfrentou dúvidas comuns a muitos planejadores de rotas longas: segurança, condições das estradas, logística de hospedagem e a temida pergunta: “Será que estou preparado fisicamente?”. Com 61 anos e uma rotina de pedal em Cotia (SP), região com relevo moderado, ele sabia que o desafio seria maior do que seus treinos habituais. A decisão de viajar sozinho acrescentou camadas de complexidade, mas também liberdade para explorar o ritmo próprio.

A preparação incluiu revisão minuciosa da bicicleta (câmbio, freios, corrente), montagem de um kit de emergência (câmara reserva, bomba, remendos) e escolha estratégica da bagagem: três camisetas, dois shorts, uma calça de moletom e itens essenciais como protetor solar e barras energéticas. A opção por uma mochila resistente a chuva e um segundo suporte para bagagem revelou-se sábia, especialmente após relatos de amigos que enfrentaram problemas com quebras de equipamento.

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Dia 1: Timbó → Pomerode → Indaial (96 km | 2.050 m de elevação)
A jornada começou em Timbó, cidade conhecida por suas esculturas de madeira e atmosfera bucólica. Após retirar o “passaporte do cicloturista” na Casa do Artesão — um guia simbólico com informações do trajeto —, o primeiro pedal rumo a Pomerode surpreendeu com subidas íngremes de até 17%, um aquecimento intenso para as pernas. A estrada, parcialmente sinalizada, exigiu atenção extra em cruzamentos, mas recompensou com visuais de casas enxaimel e jardins impecáveis, típicos da colonização alemã.

Em Pomerode, uma parada inusitada em uma mercearia local tornou-se emblemática: ao perguntar se poderia deixar a bicicleta próxima ao balcão, a dona do estabelecimento riu da “neurose paulista”, garantindo que segurança nunca foi um problema na região. Seguindo para Indaial sob chuva intensa, o ciclista enfrentou um trecho arriscado na BR-470, onde motoristas apressados exigiram destreza. A recompensa veio com um jantar no Restaurante Kruger, elogiado pela comida caseira e atendimento acolhedor.
Dia 2: Indaial → Rodeio (38 km | 400 m de elevação)
O segundo dia trouxe alívio no perfil altimétrico, mas não na navegação. A falta de placas em um trecho crítico próximo a Ascurra levou a um desvio involuntário, resolvido com ajuda de moradores locais. A cidade de Ascurra presenteou-o com a “Coxinha de Carne Seca” da Padaria Ceni, uma iguaria que se tornou combustível para o pedal até Rodeio.

Em Rodeio, hospedado na Pousada Cama & Café Estufa Vânia, o ciclista descobriu a importância de reservas antecipadas: um casamento na cidade lotou a maioria dos hotéis, reforçando a dica de planejamento prévio. Aproveitando a chegada cedo, visitou a Cascata do Salto Donner, onde um tobogã natural em meio à vegetação ofereceu um mergulho revitalizante.
Dia 3: Rodeio → Doutor Pedrinho (48 km | 2.150 m de elevação)
Considerado o dia mais desafiador, o trajeto até Doutor Pedrinho incluiu a temida “Subida dos Anjos”, 8 km de ascensão contínua com picos de 18% de inclinação. Aqui, a filosofia do ciclista brilhou: em vez de focar na velocidade, parou para apreciar uma cachoeira escondida e conversar com participantes de uma prova de laço sustentável (que usava bezerros de plástico!).

A Pousada Salto Donner, em Doutor Pedrinho, destacou-se pela hospitalidade: além de lavanderia e garagem segura para bikes, os anfitriões ofereceram dicas preciosas para os dias seguintes. O jantar na Pizzaria Salto Donner, com massa artesanal e ingredientes locais, foi um marco gastronômico.
Dia 4: Doutor Pedrinho → Alto Cedros (45 km | 1.800 m de elevação)
Optando pelo caminho do Véu da Noiva (em vez da rota rural pela Gruta de Santo Antônio), o ciclista encontrou uma ciclovia bem estruturada e a cachoeira homônima, cujo acesso exigiu cuidado extra devido a trilhas escorregadias. Um erro de cálculo na hidratação quase o deixou sem água, resolvido com uma parada estratégica no Armazém do Lago, onde suco de laranja fresco e conversas com moradores locais renovaram suas energias.

A estadia no Hostel Caminho das Hortênsias, em Alto Cedros, foi marcada pela simplicidade aconchegante: café da manhã com pães caseiros e jantares compartilhados criaram um senso de comunidade mesmo em viagem solitária.
Dia 5: Alto Cedros → Timbó (83 km | 1.700 m de elevação)
O último dia reservou descidas emocionantes pela Serra do Rio do Cedro, onde freios em bom estado foram essenciais. Uma parada na Cachoeira A Formosa, porém, alertou para riscos: a falta de sinalização em áreas de queda livre exigiu cautela extrema. De volta a Timbó, o certificado de conclusão do circuito, carimbado em cada parada, coroou a jornada com simbolismo.

Desafios do Cicloturismo Vale Europeu: Lições Aprendidas
- Segurança: Apesar do medo inicial, o ciclista sentiu-se seguro em todo o percurso. Estradas secundárias têm movimento esparso, mas motoristas geralmente respeitam ciclistas.
- Sinalização: Trechos mal sinalizados exigem uso de GPS ou apps como Komoot. Moradores locais, embora nem sempre conheçam o circuito, ajudam com direções.
- Comunicação: Sinal de celular é inexistente em áreas rurais — leve mapas físicos e avise hospedagens sobre horários estimados.
- Hidratação: Postos de água são escassos em certos trechos; leve pelo menos 2 litros e reabasteça sempre que possível.
Dicas Práticas Para Repetir a Aventura
- Quando Ir: Fevereiro oferece clima ameno, mas chuvas rápidas são comuns. Evite inverno (junho-agosto) por estradas mais escorregadias.
- Onde Ficar: Hospedagens como Salto Donner e Caminho das Hortênsias oferecem lavanderia e garagem para bikes. Reserve com antecedência em cidades menores.
- Custos: R$ 1.500–2.000 cobrem transporte (ônibus leito), hospedagem simples e refeições fartas.
- Treino Prévio: Acostume-se a subidas longas (8–10 km) e pedaladas diárias de 4–6 horas.
Por Que o Vale Europeu Merece Sua Bike?
Mais do que um teste físico, o circuito do Vale Europeu é uma imersão cultural e sensorial. Entre degustar cucas em padarias centenárias, banhar-se em cachoeiras intocadas e cruzar vilarejos onde o tempo parece desacelerar, o cicloturista descobre que a verdadeira essência da viagem está nos detalhes — uma risada de uma comerciante, um conselho de um morador, o silêncio de uma estrada de terra vermelha.
Para quem hesita em partir sozinho, o relato prova que a solidão na estrada é apenas aparente: a comunidade ciclística, ainda que pequena na região, e a generosidade dos locais constroem uma rede invisível de apoio. Como resumiu o protagonista: “Não foi fácil, mas cada gota de suor valeu pela liberdade de explorar o Brasil em ritmo de bike.”

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